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Meu
sonho foi estranho... Começou tão agradável...! Estávamos em uma praia de
Copacabana, meus pais e eu. Todos felizes e sorrindo. Meu pai estava cantando a
“minha música”, no meu coração você sempre vai estar de Ed Motta – desde
pequena ele a cantava para mim na hora de dormir. O dia estava lindo e
ensolarado, todos estavam alegres e de repente uma tempestade se aproximou
bruscamente da praia. Minha família estava alguns passos na minha frente. Corri
até eles, mas eu nunca chegava. Eu gritava, gritava, mas eles não ouviam. Corri
mais, o mais rápido que pude. Eu estava com medo. A tempestade estava feroz. As
árvores na encosta da praia foram arrancadas. O mar estava violento... Finalmente
eu os alcancei. Coloquei a mão no ombro do meu pai e o virei, mas já não era o
meu pai de antes. Agora ele estava com o rosto coberto de sangue cheio de
fragmentos de vidros alojados em seu corpo e cortes profundos. Os olhos estavam
revirados e seu corpo caiu imóvel no chão. Desesperei-me. Virei minha mãe e ela
estava no mesmo estado. Agora só tinham corpos no chão. Corpos ensangüentados e
sem vida... A praia e a tempestade haviam sido consumidas por uma escuridão,
não havia mais nada, em lugar nenhum. Os corpos desapareceram engolidos junto. Eu
estava sozinha na escuridão. O desespero cresceu e fechou minha garganta. Eu
gritava inutilmente por ajuda. Meu coração estava acelerado e eu estava
morrendo de medo, medo de todo aquele silêncio, da solidão, medo e desespero...
Finalmente,
acordei – saltei sentada seria mais específico – continuando o último grito do
meu sonho. Eu estava em choque, transpirando, meu coração acelerado, minha
respiração descontrolada... Eu abracei meus joelhos e permaneci sentada por um
tempo. Comecei a chorar descontroladamente – torcendo para que minha avó não
ouvisse. Aos poucos controlei minha respiração "Só um sonho... É só um
sonho..." repeti várias vezes mentalmente "Só um sonho... Um sonho
que vai te atormentar para sempre!".
Não
adiantava nada ficar parada sentindo pena de mim mesma. Dei um longo suspiro e enxuguei
as lágrimas "Tente esquecer Liza, esqueça a dor!". Aos poucos,
consegui controlar minha respiração e deitei de novo esperando o sono voltar, rezando
para que o pesadelo não voltasse nunca mais!
Depois
de um tempo, percebi que o sono não viria – era de se esperar, considerando o
choque que o pesadelo me causou. Olhei para o relógio que estava ao lado da
cama.
- 06h38min...
Muito cedo!
Olhei
para a janela, ainda estava escuro. Já que eu não conseguiria dormir era melhor
levantar. . Lentamente levantei-me, espreguicei-me, e fui para o
banheiro. Escovei os dentes, penteei o cabelo e desci para a cozinha. Minha avó
deveria estar dormindo. Resolvi fazer o café da manhã para matar tempo, mas desanimei
quando cheguei à cozinha.
Em cima
da bancada, estava um pequeno conjunto de coisas para o café da manhã, pão,
leite, chá, geléia, margarina, e bananas com aveia... “Tudo isso para mim?” Antes
eu teria comido tudo sem pestanejar, mas devido aos acontecimentos (e a falha
no meu organismo) eu não ia conseguir digerir tudo aquilo. O fato de ela não
estar comigo, não ajudava. Por falar nisso... Onde ela estava? Foi quando
percebi o bilhete que estava perto dos alimentos. A letra era graciosa e firme,
o bilhete dizia:
“Eliza, precisei resolver uns problemas,
achei que você não gostaria de vir comigo, por isso não te acordei.
Saboreie seu café, pode comer o que quiser da
geladeira, seu almoço está no forno de microondas.
Volto ao anoitecer, estarei em casa na hora do jantar,
Pode usar o computador da biblioteca se quiser.
Se precisar me ligue, o número está ao lado do
telefone.
PS: Procure não sair de casa, não quero ter que mandar
os bombeiros para te procurarem!”
Ela
tinha razão! Provavelmente me perderia, mas o que eu iria fazer o dia todo? Eram
apenas sete da manhã, eu tinha o dia pela frente e um tédio enorme se
aproximando!
Resolvi
começar do começo. Pelas opções que ela me ofereceu, primeiro o café. Bom, eu
não ia nem tentar comer tudo – deixaria esse esforço para o almoço – optei pelo
chá, fiz uma xícara e tomei um gole.
- Erva
doce!
Bem,
meu estômago aceitou o chá, então resolvi forçar um pouco e comi uma fatia de
pão com geléia, mas ele (o estômago) não queria. Senti que se eu o forçasse me
devolveria tudo, então era o suficiente! Peguei a xícara de chá e andei pela
casa, fui do térreo ao sótão, entrei em cada cômodo – menos no quarto da minha
avó.
A casa
era bem espaçosa e equipada. No segundo andar havia quatro cômodos, dois de
cada lado, um de frente para o outro. Um era meu quarto, o outro o da minha
avó, do outro lado um era a biblioteca e o outro estava trancado.
Fui
para a biblioteca. Era ampla com centenas de livros, no
centro inferior tinha uma escrivaninha antiga, mas conservada, semi nova eu
diria. Nela tinha um computador até moderno, uma impressora a laser e do lado
da escrivaninha uma foto-copiadora. Era uma combinação de modernidade e
antiguidade agradável.
Sentei
na enorme poltrona e liguei o computador.
Entrei
no chat. Não havia ninguém on-line, Minimizei a tela e fui ver meus e-mails. Tinha vários dos meus
amigos – mandados em segredo da minha psicóloga –, todos preocupados e cheios
de saudade. Respondi um por um com uma atenção desnecessária – tudo para matar
o tempo. Alegrou-me o fato de que eles se importavam comigo, mas cada e-mail me
trouxe uma dor diferente, alguns saudade, outros tristeza, desanimo... "Parece
que Dra. Fisher tem razão!" Manter contato com eles só me fazia sentir
pior, sabendo que eu nunca mais os veria... – minha avó deixou bem claro que eu
não voltaria para o Brasil – “Esse país é muito primitivo, não tem leis nem
justiça, não botaremos mais os pés aqui!" Ela realmente odiava o Brasil!
O melhor
seria seguir o conselho – ou melhor, a ordem – da Dra. Fisher e não manter
contato com eles. Só estava me fazendo mal. Eu só poderia rever algum deles
depois que fizesse 18, e até lá, eu não ia sofrer mais – já tinha muito
sofrimento na minha lista,
Depois
de responder os e-mails, já estava pronta para apagar minha conta definitivamente no chatquando
alguém entrou, minha companheira de classe Cintia. Ia puxar conversa, mas ela o
fez primeiro.
Cintia
diz:
O q
aconteceu c/ vc??? :-(
Liza diz:
O q vc qer dizer?? ^o) Além do óbvio? O.o
Cintia diz:
Sim, além do acidente!! Vc sumiu e ñ deu notícias :-@
Eu não tinha me dado conta de que não ficava on-line desde o acidente.
Fiquei semanas em órbita! Não sabia o que responder. Nesse instante entraram
mais dois, minha melhor amiga Carla e o Bruno um paquera antigo – mas nunca
rolou nada. Decidi compartilhar a conversa assim só escreveria uma vez.
Carla diz:
Liza, o q ouve??
Bruno diz:
Qual é a daqela psicólogo
maluca?? ¬¬’
Cintia diz:
Não te deram acesso a um computador?? :-p
Liza diz:
Calma gente eu to bem!! :-) ñ deu p/ me comunicar depois do... vcs
sabem!
sinto muito ter preocupado vcs! eu to bem!
s:-)
Carla
diz:
Eu sinto muito pelo q aconteceu :-(
Bruno
diz:
Eu tbm! mó raiva daqela pisicólogo!!!
Liza
diz:
Tudo
bem gente ñ foi culpa de ningém!! E ela tinha razão Bru!! :-/
Bruno
diz:
O que vc qer dizer? O.o
Carla
diz:
É o q vc ta dizendo? q ñ qer ve agente? :-@
Cintia
diz:
Onde
vc tá??
Liza
diz:
Calma
gente!! 1 de cada vez! :-) eu to em Santa Rosa próxima de San Francisco! E...
vcs naum deviam ta na aula ;-)?
Bruno
diz:
E tamos!!
Cintia
diz:
Aula
de informática! s:-)
Carla
diz:
E como é ai?? Igual nos filmes??
Liza
diz:
Ñ
dá pra saber ainda eu só vi o avião, o carro, e a casa! + eu daria tudo p ta ai
c/ vcs!
Bruno
diz:
Agente sabe! vc nos ama! :-p
Liza:
Bru
vc é um bobão!
Bruno
diz:
Vc num respondeu minha pergunta lembra?=^.^=
Carla
diz:
O q vc disse sobre a psicólogo estar certa?
O que
eu podia dizer? O certo seria ser grossa para que nunca mais quisessem falar
comigo, mas já bastava eu sofrer, eles não tinham que passar pela mesma coisa. Meus
dedos tremeram sob o teclado, só em pesar no que eu teria que escrever! Mas
apenas lendo as mensagens instantâneas dos meus amigos o meu coração se enchia
de dor – não tão forte quanto às lembranças do acidente me traziam, mesmo assim
ruins o bastante para não conseguir suportar.
Cintia
diz:
Liza?
vc ta ai??
Optei
pela verdade e esperava que fosse suficiente!
Liza
diz:
Vcs
ñ entendem! Ta muito difícil suportar a dor da perda q eu sofri, meus pais,
minha casa, meu país... Vcs... É muito doloroso e fica mais difícil quando falo
c/ vcs, a saudade me corróe como ácido e só alimenta uma falsa esperança! Eu ñ
posso + passar por isso, ñ vou consegui agüentar! Eu sinto muito, espero q
entendam, eu amo vcs, mas ñ agüento + sofrer!!
Ouve
uma longa pausa depois que eu enviei a mensagem. Esperei calmamente a resposta.
Cintia
diz:
É a
ultima vez q nos falamos??? O.O
Liza
diz:
É
sim, sinto muito!!
Bruno
diz:
Vamos sentir sua falta!
Liza
diz:
Eu
tbm!
Carla
diz:
Nós te amamos Liza!
Liza
diz:
Tbm
amo vcs!
Lagrimas
escorriam dos meus olhos. Dizer adeus era mais difícil do que eu pensava!
Fechei a conversa e exclui minha conta permanentemente. Uma nova dor me invadia! Era pior dizer adeus e saber que
poderia estar ao lado deles, mas era melhor assim... Engoli o choro e coloquei
essa nova dor junto com a outra – agora elas seriam companheiras.
Desliguei
o computador e sai da biblioteca. Não tinha idéia do que fazer, mas precisava
me ocupar de alguma forma ou voltaria a pensar nisso e eu certamente não iria ser
bom!
Meu chá
já estava frio quando cheguei à cozinha. Olhei o grande relógio que estava
pendurado na parede. Não passava de 08h30min "A despedida on-line durou
menos do que eu pensei!" Não era o bastante, ainda tinha quase doze horas
para matar.
Na esperança
inútil de prolongar meu tempo, guardei os alimentos do café. Um a um fui
descobrindo onde colocá-los. Levei um pequeno susto quando abri a
geladeira para guardar a margarina. Estava repleta de guloseimas, porcaria,
doces, tortas, bolos... Uma verdadeira festa para o paladar – e eu com passagem
livre para comer tudo – a alegria de qualquer adolescente! De qualquer um,
menos dessa adolescente aqui! "Droga de falta de apetite, esta me dando
nos nervos!"
Fechei
a geladeira, com um pouco mais de força que o necessário. A caminho da sala,
parei a um lindo pote de vidro que estava sob uma mesinha, nele continha muitos
bombons e trufas de vários sabores "Será que você ainda aceita
chocolate?" Perguntei – mentalmente – para meu estômago. Sempre fui "chocólatra"
e isso não podia mudar. Peguei quatro de uma vez só e me joguei no enorme sofá
branco. Zapeei pelos canais procurando algo que eu reconhecesse enquanto
devorava os bombons lentamente – de novo levou o dobro do tempo que eu levaria
– mas pelo menos meu estômago não tentou devolvê-lo "Bom! Umas calorias a
mais para compensar as do café!".
Não
encontrei nem um programa que valesse a pena assistir. Procurei entres os
filmes em DVD, mas minha avó gostava de clássicos, o mais recente deles era
Titanic - que eu já vi umas doze vezes. Eu poderia colocar um assim mesmo, mas
não ia me adiantar nada. Se eu não me concentrasse, minha mente ia vagar entre
dores, lembranças e saudades, e isso era o que eu estava evitando. Toda essa
analogia me consumiu apenas uma hora "Merda! O que eu vou fazer
agora?".
Foi
quando me lembrei do que minha avó disse sobre as tintas para o meu quarto
estar na garagem. Não tinha nenhuma idéia para passar o tempo mesmo, por que
não bisbilhotar? Cheguei à garagem e encontrei as tintas facilmente. Com a ajuda de uma chave de fenda abri a tampa,
no mesmo instante me encantei com a imagem do quarto pintado.
A
primeira lata era de roxo bebê – ou lilás, como acharem melhor – e a segunda
era de rosa no mesmo tom de bebê. Eu não teria escolhido outras cores se pudesse
"Muito obrigada vó, acertou em cheio!".
Eu
estava tão ansiosa para que elas fossem usadas que pintaria eu mesmo... "Por
que não?"
Realmente
não sei o que me deu! Um espasmo repentino talvez. Movi-me por impulso. Não
teria problemas com isso. No Brasil meu pai e eu pintamos o meu quarto. Ele
ensinou-me cada passo e eu poderia fazer sozinha.
Perto
das latas estava todo material necessário – pincel, rolo, forro – que havia
sido comprado para os pintores.
Isso me consumiria o dia inteiro "Perfeito!".
Aos
poucos subi com o material, troquei de roupa e coloquei o macacão branco que
estava junto. Empurrei os poucos móveis para o centro do quarto – não pegaram
nenhum espaço – e os cobri com o forro. Tomei cada medida necessária para a
pintura, cada detalhe – não queria dá motivos para minha avó achar que fiz
besteira.
Peguei
meu Ipod e selecionei as musicas no auto-falante. Auto o suficiente para ouvir
do térreo e baixo o bastante para não incomodar a vizinhança – a casa mais próxima
ficava a seis metros. Claro que 90% das minhas músicas eram de bandas
brasileiras – NX zero, Fresno, Pitty, Vanessa Camargo, CPM 22, Charlie Brown
Jr... No fundo eu queria mesmo que um vizinho passasse na frente da casa e
absorvesse um pouco de musica de verdade.
“Acho
que estou ficando patriota e paranóica!”
Com tudo
preparado comecei! Não demorou, para que eu me empolgasse. Dancei e cantei cada
música enquanto deslizava o pincel. Uma hora e meia depois o quarto estava
pronto. Abri a janela para que o ar secasse a tinta mais rápido. Enrolei um pouco
no térreo – assisti ao canal de esportes por que era a única coisa que não
mudava (homens atrás de uma bola, sempre serão homens atrás de uma bola) – e
voltei para a segunda demão, que me consumiu mais uma hora.
Já passava
de meio dia quando o quarto ficou pronto – estava melhor do eu pensei que
ficaria – com o acabamento todo profissional. Usei o lilás como base e a tinta
rosa para fazer pinturas em estêncil de borboletas e outras desenhos tribais.
A essa
altura eu estava ouvindo pela segunda vez a lista de músicas, mas eu não me
importava, estava tão bom... A sensação era calorosa, não machucava como as que
eu havia sentido desde o acidente. Era um espasmo de energia e empolgação. Não
sei se foi o fato de me ocupar com algo útil, o de estar com a mente ocupada ou
o fato de estar ouvindo as músicas do meu país, talvez a junção dos três, não
importa, eles tinham me causado umas poucas horas sem dor! Era tão bom não me
sentir mal, era tão bom não sentir a dor. Eu não descreveria isso como
felicidade – porque não seria possível ser feliz de novo – talvez alegria, sim
alegria "Quanto tempo faz que não me sentia assim? Estava com saudade"
O
quarto estava pronto, tornei a abrir a janela e aumentei o volume do Ipod. O
espasmo de alegria ainda não desaparecera, e torcia para que não se fosse. De
repente senti uma rajada de dor. Não qualquer dor, aquela dor, a dor que
me corroía desde o acidente, a dor da perda. Rapidamente o espasmo deu lugar a
ela, levando consigo qualquer paz que tinha me causado. Meus olhos se encheram
de lágrimas, o meu peito ardia novamente e uma voz falava na minha cabeça, era
minha voz, mas não era eu – por que eu não diria algo que me ferisse –
era uma voz brava, como se o acidente tivesse adquirido uma voz própria... "Como você pode estar alegre?... Seus
pais estão mortos... Você está sozinha... Por que você está sorrindo? Estão
todos mortos... E você deveria estar também!..."
Sentei
no chão e encostei-me ao forro que estava cobrindo a cama, abracei os joelhos e
escondi a cabeça. Não sei como de repente fui de um espasmo de alegria à
agonizada de dor. Tudo voltava, a dor me trazia os flashes do acidente, o
desespero, o medo... E agora me trazia as lembranças do sonho – eu disse que me
ele me atormentaria!
"Merda!
É tão errado tentar não sofrer?” A pergunta foi retórica, mas fazia sentido,
será que toda vez que me sentisse alegre, algo me puxaria para o abismo
em que eu vivia? Eu já estava cansada de flutuar na escuridão, sem chão, sem
uma luz que me guiasse... Mas parecia que ia ser assim de agora em diante, eu
era forte o suficiente para aguentar, eu aceitaria isso! Eu era forte! Não era?
Deus queira que sim!
Olhei
para meu relógio de pulso, ele marcava 14h32min, metade do meu dia tinha ido e
isso era ótimo "Mais quatro horas e meia e minha avó estará aqui!" Isso
me confortava. Com ela em casa eu me ocuparia mantendo a imagem de moça
refinada – qualquer coisa para não pensar na dor.
Suspirei
fundo e tomei coragem para levantar a cabeça, dei uma boa olhada nas paredes
outra vez... "É lógico! Agora eu
entendo... As cores, rosa e lilás as cores preferidas da mamãe! Talvez Dona Catherine
não tenha tido tanto problemas para escolher as cores!". Por isso que
me senti tão mal repentinamente, voltei minha atenção para as músicas... “Harg! A musica! Ed Motta!” A música que
meu pai cantava! Na hora me subiu uma raiva, desliguei o som e deletei a
música, ia jogá-lo longe, mas seria um desperdício se quebrasse!
Eu estava
enlouquecendo. Isso era paranóia. Eram só cores, era só uma música – minha
música favorita – que eu teria que baixar de novo.
Respirei
fundo novamente – isso estava se tornando hábito – e me refiz. A dor não se
foi, mas eu já estava me acostumando à angústia. Levantei e concentrei-me. Liguei
novamente o Ipod – dessa vez no fone – e comecei a mexer nos móveis.
Não
dava pra colocar no lugar – encostados na parede – então só tirei do centro e
os aproximei das paredes. Guardei os materiais de pintura e deixei tudo
arrumado. Quando fui fechar a janela, vi umas caixas no jardim – entregues pelo
correio – umas sete caixas cheias de carimbos de viagem.
-
Minhas coisas!
Que ótimo!
Colocar os móveis no lugar tinha finalizado meu passatempo, agora com as minhas
coisas lá em baixo eu perderia um bom tempo fuçando nelas.
Desci
correndo até a porta, mas parei na maçaneta, tinha um espelho próximo e pude
ver como eu estava horrível, de macacão branco, suja de tinta, com rabo de
cavalo meio desmanchado. Seria prudente uma garota sair daquele jeito? Era só
alguns metros até as caixas, mas alguém poderia me ver e... “Ah quem se
importa?”
- Se
liga garota! Ninguém se importa com você! – falei para mim mesma.
Deixei
de lenga lenga e fui pegar as caixas. Aos poucos levei uma a uma para a garagem.
Não olhei em volta para saber se alguém estava vendo – não me interessava –,
mas tive uma forte (quase enorme) sensação de que alguém me observava.
Com as
caixas na garagem pude fuçar nos meus objetos. Claro que a maioria me lembrava
meus pais, já que eles me presentearam com boa parte de ursinhos, acessórios,
porta-treco, porta-jóias... E tudo que me trazia a lembrança (e a saudade
imensa) deles, de certo modo eu não ligava, e mesmo assim, acostumar-se não é
supor.
Alguns
objetos eu levei para o quarto, outros permaneceram guardados, não tinha mais
nada a fazer – em relação ao quarto – então tomei um banho e coloquei roupas
limpas - uma calça jeans e uma blusa. Foi aí que lembrei.
- Eu
não almocei...!
Droga!
Tinha esquecido, e sem a ajuda do meu relógio intestinal ficava difícil! Não
perdi tempo. Corri para o microondas e esquentei meu almoço. O prato continha
macarrão com almôndegas, rosbife grelhado e batatas fritas. Lentamente comi 2/3
até meu estomago reagir estranhamente.
Minha
boca começou a salivar com um gosto estranho juntamente veio um impulso do
estômago. Pelo sim, pelo não, corri para o banheiro. Só tive tempo para chegar
ao vaso. Vomitei o que com tanto esforço tinha conseguido engolir.
Escovei
os dentes e voltei pra cozinha. Não conseguia entender o que estava acontecendo
comigo. Eu não conseguia comer e quando comia a força, vomitava! Apenas lembrar-se
de fazer refeições não ia ser suficiente.
Joguei
o que sobrou no lixo. Odeio desperdiçar comida, mas eu não tinha cabeça para
pensar nisso. Se me ocupasse e não pensasse na falha de meu organismo, eu
ficaria bem. Era nisso que eu queria acreditar!
O resto
do tempo eu matei organizando os DVDs em ordem alfabética, os jogos por ordem
de jogadores e as revistas por ordem de data "Que merda! De onde veio o perfeccionismo?"
Tudo para me manter ocupada, para não pensar na dor, na solidão... Essa
paranóia de contar o tempo já estava me enchendo também, logo eu atacaria meu
relógio pela janela.
Quando
me entreguei ao tédio, liguei novamente no canal de esportes e joguei-me no
sofá.
Finalmente
minha avó chegou. Era umas 18h30min – não olhei dessa vez – trazendo consigo
muitas sacolas, uma delas com nosso jantar, as outras continham livros,
cadernos, estojos, e muitos outros materiais de escola.
- Aqui
tem tanta coisa, é tudo necessário? – perguntei quando ela me mostrou.
- É
claro, você vai ver como o ensino aqui é puxado!
Ótimo
era o que eu precisava!
- Não
vai perguntar o que fiz o dia todo? – ela perguntou.
- Eu
não queria ser inconveniente, mas estou curiosa! – menti descaradamente.
- Bom
eu fui fazer sua matricula no Piner High School,
comprei os materiais e encomendei seus móveis!
"Uol!
Como ela é eficiente!"
- Meus
móveis?
- Sim! Ou
você achou que ficaria apenas com aqueles “móveisinhos”? Os pintores chegam de
manhã, e os móveis de tarde. Sábado já vai estar pronto!
- Hã...
Vó... Na verdade pode cancelar os pintores. Fiquei meio entediada e fiz a
pintura eu mesma, e por sinal adorei as cores... – menti de novo.
-
Espera! Você fez a pintura? – ela estava chocada.
- É, aprendi
com meu pai, o resultado foi ótimo...
Ela não
acreditou, mas por fim deu de ombros. E eu ignorei o nariz torcido dela ao
ouvir sobre meu pai.
- Bom,
se você gostou... Vai nos poupar tempo! Suas coisas já chegaram do correio?
- Já
sim, estão na garagem!
-
Espero que tenha se divertido hoje...
“Foi um
dos dias mais entediantes e piores que já tive!”
- Oh,
claro foi... Animador!
Sei que
menti descaradamente (de novo), mas a idéia era fazê-la sentir-se melhor.
Ficamos
acertando os detalhes da minha nova vida. Ficou combinado que ela me daria uma
mesada de 50 dólares por semana. Tentei argumentar e dizer que queria
trabalhar, mas ela descartou qualquer esperança minha "Nem pensar, já vai
ser difícil para você se acostumar com o ensino, não quero que você perca o ano
por não ter tempo de estudar!". Ela tinha razão, e discutir com ela não
adiantaria mesmo. Simplesmente me conformei – por enquanto – para o bem da
nossa convivência. Ela também me entregou um celular – nem moderno, nem
ultrapassado – útil demais para mim, para que pudesse me encontrar se eu me
perdesse.
Depois
do meu jantar forçado – que ficou mais fácil tendo que manter a compostura
diante da minha avó – dei-lhe boa noite e subi para o quarto com meus materiais,
dando graças a Deus por ter conseguido segurar o jantar no estômago.
Coloquei tudo no closet. Enrolei um tempo
lendo, outro escrevendo, outro desenhado... E finalmente dormi rezando para que
meu sonho não se repetisse. Claro que não adiantou, tive o mesmo sonho, com a
mesma intensidade, com a mesma dor, acordei no mesmo desespero, sob as mesmas
lágrimas... O mesmo terror! Mas dessa vez procurei abafar meus gritos para não
acordar minha avó...
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