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quarta-feira, fevereiro 05, 2014

Livro | A Última Dor - Capitulo 2




Todos os capítulos estão nesse link.

A viagem de avião foi lenta e entediante! Dormi a maior parte do tempo. Não comi nada do que me ofereceram (mesmo que na primeira classe servissem coisas ótimas!). Minha avó também não pareceu confortável, pelo menos ela comeu, mas não me perguntou por quê não comi. Talvez morar com ela, não vá ser tão ruim como pensei. A falta de atenção por parte dela pode ser favorável nesse lance de ser invisível.
Saímos do aeroporto e seguimos em um táxi. Sentei-me no banco de trás com minha avó. Foi uma sensação estranha! Meu estômago embrulhou, e me deu um frio na barriga seguido de um aperto no coração, minha cabeça rodou, ficou ligeiramente mais leve e veio na minha mente flashes de todo o acidente. Nada que eu já não tivesse visto. Isso me incomodou. Comecei a escrever em um caderno para ver se ajudava, mas as lembranças não revelaram nada, só a mesma sequência: O carro, a luz, o olhar... O aperto, a dor e a escuridão. Será que eu sentiria isso toda a vez que entrasse em um carro? Ou seria questão de costume? Acho que não, já que andei de taxi em Copacabana e não me senti tão mal.
Perdida em devaneios (e conversas internas comigo mesmo), a viagem de carro foi menos desconfortável. Pela janela percebi que o tempo estava agradável. Era fim de tarde, o sol estava se pondo e a temperatura estava agradável. Um fim de tarde quente e um começo de noite fria. Por enquanto seria outra coisa para me acostumar, o clima! Que saudade do Brasil!. Deixei boa parte das roupas para o calor e trouxe comigo as roupas mais quentes. Minha avó disse que eu teria que ir as compras – isso ia ser bom – montar um guarda-roupa novo, próprio para o novo país! Guarda-roupa novo eu posso aguentar fácil (mesmo as lembranças do acidente não me deixando pensar em outra coisa). Mas não vou mais falar português, não vou mais usar os mesmos tipos de roupas. O que mais? Com certeza ainda vou adicionar muito a esta lista.
O carro parou em frente a uma casa que no Brasil seria considerada como uma pequena mansão. Não sei o que ela é considerada aqui e sinceramente, não estava a fim de descobrir.
- Chegamos! – disse-me ela.
Eu não a ouvi muito nesses dias em que estivemos juntas, nossas conversas não passavam de "Está pronta...?" "Podemos ir...?" “Cadê você?” por parte dela e "Sim senhora!" "Estou sim!" da minha. Sem contar às vezes em que ela reclamava do Brasil: "Não sei como conseguem viver nesse país, tão quente, tão atrasado...". Ela não se conformava que 100% do país não falasse inglês, o que a deixou desorientada. Que culpa os brasileiros têm de ela não falar português?
Não tentei defender o país – por mais que eu quisesse, e teria muitos argumentos a meu favor – não seria o modo certo de começar nossa relação. De uma hora para outra essa completa estranha se tornou a minha única família.
Acho que não descrevi minha avó, não é?! Bom... Ela é uma coroa até simpática. Desde a morte do meu avô, – de acordo com minha mãe – passou a viver a vida de uma forma mais reservada. Seu cabelo é preto, grosso, bate no ombro, liso com as pontas para dentro – pelo menos foi esse o penteado que ela usou desde o primeiro dia que a vi. Corpo pequeno e formas medias e proporcionais. Tem olhos azuis escuros como os meus e parece ter muita classe ou o nariz bem empinado.
Fisicamente até que somos parecidas. Tenho o mesmo cabelo preto, porém o meu é mais fino com cachos abertos ondulados que vão das costas as pontas – herdei-os do meu pai. Tenho os mesmos olhos e a mesma pele branca herdada da minha mãe, ou no caso da minha avó. Nesse momento minha pele está ligeiramente bronzeada, resultado de morar a beira mar (vamos ver até quando vai durar).
Descemos do carro e aos poucos levamos minhas coisas para dentro – metade chegaria dia seguinte por correio.
Por fora a casa era branca com muitas (quatro) janelas de vidro, o jardim era verdinho com algumas flores silvestres plantadas em formas retangulares e com muitas luzes semelhantes à pisca-pisca espalhadas por todo ele. Não havia portão. Apenas um caminho de concreto entre a grama e ao lado para a garagem, e um retângulo de metal pendurado numa vareta – caixa de correio. 
Por dentro era amplo e aconchegante. Na sala havia uma lareira em mármore. As paredes eram brancas, com lindos quadros pendurados, a maioria releituras de Monet – minha mãe procurou me instruir de muitas maneiras, por isso os identifiquei. Havia um sofá grande branco com almofadas vermelhas e um tapete felpudo para combinar com a decoração. Dava para ver a cozinha de relance, aparentemente bem equipada, toda em inox – não é um lugar que eu pretendia ficar para descrever melhor. A escada era cumprida, com degraus brancos e um corrimão marrom – combinando com as portas duplas de entrada. Havia aqueles tapetes de escada, que só pegam o centro dos degraus na cor vermelha – combinando com as almofadas.
Aparentemente Dona Catherine tinha bom gosto e muita classe.
Percebendo minha expressão e meus devaneios sobre sua casa ela perguntou.
- Gostou?
Parece que com ela não haveria diálogos muito cumpridos no máximo algumas palavras.
- Sim, é agradável! – achei melhor não usar de gírias na frente dela, caso contrário eu diria "Maneiro!"
Meu comentário a agradou. Foi bom tela deixado contente. Mesmo que tenha sido por um motivo banal.
Vendo que eu não falaria mais nada, ela começou a fazer o papel de anfitriã.
- Bom aqui é a sala, por ali é a cozinha – ela foi apontando – e a lavanderia. Alguns dias por semana a faxineira vem para fazer a limpeza. Deixe as roupas sujas em frente ao quarto, que elas serão lavadas e passadas.
- Sim senhora! – como eu disse não me preocuparia com nada.
- Os quartos são limpos uma vez por semana, então não deixe objetos pessoais jogados para que não se percam...
- Na verdade... – eu a interrompi – Não me importo de limpá-lo eu mesma!
Era o melhor para mim. Não queria uma estranha mexendo nas minhas coisas. Além disso, fazia isso no Brasil e não me importava. Isso me manteria ocupada e faria lembrar-me da minha antiga vida.
Dona Catherine encarou-me como se eu estivesse enlouquecido. Vendo que não era loucura, respondeu:
- Como quiser! – ela pareceu um pouco confusa, mas deu de ombros e continuou – o café da manhã é servido às 7, o jantar as 19, o seu quarto é por aqui...
Ela começou a andar e eu a segui. Confesso que não estava muito ansiosa para conhecê-lo (outro item para minha lista). Por mais que eu tivesse trazido metade do meu antigo quarto comigo (objetos decorativos, frufrus e bugigangas que adoro) não era a mesma coisa. Não era o meu quarto. Não era minha casa. Não era minha vida! Pelo menos, não ainda.
O quarto que ela me indicou ficava no fim do corredor. Não era gigantesco, nem minúsculo – era maior que o meu antigo. As paredes eram brancas, com uma enorme janela de vidro afundada em paredes grossas com a parte de baixo acolchoado para se sentar. Um carpete bege clarinho cobria o chão, com duas portas que davam acesso a outros lugares. Só havia uma cama de solteiro com uma colcha branca. Uma escrivaninha com um abajur e uma poltrona estofada na cor bege mais escuro. Para mim, pareceu um quarto de hóspedes.
- Eu não tive tempo de prepará-lo – disse-me – tudo aconteceu muito rápido... Suas aulas só começam na segunda – era quarta-feira primeiro dia do mês– então você pode mudar o que quiser. Contratei uns pintores, eles virão na sexta. As tintas estão na garagem tomara que goste das cores, se não podemos mudar...
- Não, se a senhora as escolheu, então provavelmente vão me agradar!
  Ela deu um meio sorriso. Senti-me culpada. Ela me queria bem! Queria que eu me sentisse em casa, queria minha companhia, e eu pensando mal, pelo amor, ela era minha avó! Óbvio que me queria bem! Não é?!
- Vou deixar você à vontade.  Vou lhe preparar um lanche, como você não comeu no avião deve estar faminta – então ela notou! – suba só com o essencial, o resto você pode trazer para cá quando terminar de arrumar o quarto!
- Tudo bem!
 Ela saiu do quarto.


Minha avó desceu para o térreo me deixando sozinha no meu novo quarto. Peguei a bolsa que eu tinha subido comigo e tirei meu nécessaire de banheiro com escova, pasta, xampu, sabonete e etc. Segui até o banheiro – que deduzi ser na outra porta. Era agradável! Todo em azulejo branco, com rosas em azul bebê pintadas alternando. Era amplo para quarto de hóspede. Tinha uma banheira e um espelho que ia do teto ao chão. Pequenas luzes no mesmo tom de azul espalhados pelo banheiro todo. Ao lado da banheira tinha pequenas prateleiras com velas coloridas e vidrinhos perfumados – sais de banho. Como eu disse bem agradável!
Depois de admirar meu banheiro – no Brasil o meu não era tão estiloso – deixei a nécessaire sobre a pia e coloquei cada coisa em seu lugar. Depois de esvaziá-la, voltei ao quarto e segui para meu novo companheiro, o closet.
Não era grande coisa, um cômodo de 2x2m. De um lado tinha lugar para pendurar cabides e dezenas deles vazios, do outro, prateleiras para colocar sapatos. Tinha uma pequena luz de teto. Guardei as duas mudas de roupa que eu tinha subido – não me dei o trabalho de pendurá-las, coloquei nas prateleiras mesmo – e fui para o banheiro.
Eu não percebi até aquele momento o quanto eu deveria estar cansada, levando em conta a exaustiva viagem, a má alimentação e o estresse emocional. Mas por mais que eu soubesse disso, meu corpo não dava grandes sinais de cansaço, assim como não dava sinal de fome... Que ótimo! Outro problema para pensar depois: “Meu corpo está dando chiliques por mim!”
Essa certamente seria uma preocupação para depois, com certeza iria passar em alguns dias, era só o estresse da mudança de vida.
Despi-me lentamente, sem pressa – esses dias já tinham sido apressados o suficiente. Coloquei as roupas no cesto e encarei o espelho gigante. Meu corpo não tinha mudado com toda essa tragédia. Nenhuma cicatriz ou marca – tinham ficados uns hematomas, mas já estavam sumindo. Estava tudo no lugar, e esse era o problema! Se eu continuasse com a falta de apetite, provavelmente ia virar anoréxica – a diferença era que, eu não queria emagrecer.
Como isso ia me incomodar! Sempre adorei meu corpo, não tenho nenhuma gordura fora do lugar – devido à vida cheia de esportes que eu levava no Brasil – minha cintura é fina, tenho as "curvas brasileiras". Perder, nem que fosse uma das medidas, não iria me agradar! Por isso, se meu corpo não ia me lembrar de fazer refeições, eu o faria por ele! Era só não se esquecer de comer, fácil! Esse problema não era assim tão complicado – mas se persistisse eu procuraria um médico.
Desliguei-me um pouco da minha aparência e fixei meu olhar nos meus olhos. Havia algo errado. Algo em mim estava muito diferente. Meus olhos não estavam expressivos e brilhantes como sempre foram... Não, eu definitivamente não era a mesma Liza de antes, eu estava mudada, mas não para bem, eu estava com meu coração atolado em dor, e isso se refletia claramente. Eu me conhecia bem o bastante para saber que eu, não era mais eu mesma e não fazia ideia de como trazer a velha Liza de volta.
Depois da minha análise em frente ao espelho. Fui para o chuveiro. A água estava perfeita, a temperatura relaxou meus músculos eu comecei a sentir um pouco do cansaço – 1/3 do que eu devia estar sentindo.
 Tomei um banho rápido e lavei o cabelo. Desliguei o chuveiro e me sequei, quando eu quisesse demorar, usaria a banheira, afinal era para isso que ela estava ali!
Vesti minha calça xadrez duas vezes maiores que eu – própria para dormir – e minha regata preta (vai saber em que mala estava meu pijama!). Penteei o cabelo e fui para o quarto
Não tinha televisão, então fui atrás dos meus livros – sorte que coloquei alguns na bolsa – todos de autores brasileiros.  Isso me manteria ligada a minha cultura, ou talvez só dificultasse a minha habitação. Não importa! Peguei um de Pedro Bandeira e comecei a folhear para passar a parte que eu já tinha lido, foi quando minha avó bateu na porta – mesmo estando aberta, – trazendo uma bandeja. Fechei o livro e o coloquei embaixo do travesseiro e dei sinal para que entrasse.
- Fiz um sanduíche para você – ela começou – espero que goste de peito de frango!
- Frango... É bom, obrigada!
Esperei que a fome viesse, mas não veio. Que droga! Teria que comer sem fome, e isso não é muito agradável.
Minha avó colocou a bandeja na ponta da cama e começou a se retirar. Eu esperava – torcia na verdade – que ela ficasse para ver se eu comeria, ou se iria gostar, isso me daria um incentivo para engolir. Mas ela estava me dando espaço, talvez para que não me sentisse pressionada, talvez para fazer outra coisa que ela tinha planejado, ou porque ela não gostava de ficar muito tempo na minha presença. Não me importava qual delas era! Tinha algo que eu precisava dizer!
- Hamm...?
Ela virou para me olhar.
- Sim?
Era a primeira vez que me dirigia diretamente a ela.
- Não sei exatamente como te chamar...
Ela pareceu pensar por um minuto.
- Bom, sou sua avó não sou? O que os vizinhos dirão se você me chamar pelo nome como você fazia no Brasil?
- Não foi isso que eu...
- Tudo bem, eu entendo. Chame-me de vó Ok?
- Certo!
Ela virou-se, mas eu intervir
- Hamm, vó?
- Diga...!
Eu tinha várias perguntas para ela, mas pelo sim e pelo não fui ao ponto principal.
- Só... Obrigada... Por tudo!
Pelo seu rosto passou muitas expressões. A que permaneceu foi a de afeto. Particularmente eu nunca fui boa em ler expressões, mas depois do acidente fiquei muito boa nisso. Acho que aguçou meus sentidos ou minha sensibilidade, não importa! (tenho dito muito “Não importa!). Ler expressões era muito útil com a minha avó, considerando que ela não falava muito. Seus olhos ternos se encontraram com os meus pela primeira vez desde que a encontrei.
- Não há de que Eliza é o meu dever de avó! Não precisa descer a bandeja amanhã a empregada recolhe! Tenha uma boa noite!
Acenei com a cabeça e dei um sorriso. Ela acenou com a cabeça e saiu
Se eu estava confusa daquele jeito, ela também devia estar afinal à vida dela mudou da mesma forma que a minha. Mais um motivo para manter as aparências – de ser a forte, a equilibrada e a sofisticada – tudo que deixasse a vida dela mais fácil, e a minha mais difícil!
Também fiquei um tanto... Invocada com o fato de ela ter me chamado de "Eliza". Quando me chamam formalmente, usam “Elizabeth”, os amigos muito íntimos usam “Liza”. É a primeira vez que me chamam de “Eliza”! Então ela não queria ser nem formal, nem íntima, ficando entre os dois – ela fez isso sem saber que estava fazendo. Não a culpo, eu mesma me sinto estranha por chamá-la de "vó" e não ia ser bom chamá-la de Dona Catherine – que é como eu queria – como se ela fosse uma completa estranha. Só que ao contrário dela eu não tinha uma alternância, que chatice!
Parei de me preocupar com essa bobagem e comecei a... Degustar meu sanduíche – se é que se pode dizer isso. Prometi a mim mesma que comeria tudo que ela tivesse trazido o que quer que fosse. Por sorte era o sanduíche, suco de laranja e um pedaço de melão.
Aos poucos fui forçando e engolindo, o suco ajudou bastante. Levei o dobro do tempo que eu levaria, mas eu consegui, comi 2/3 de tudo. Teria comido mais, mas senti meu estômago estranho e achei melhor não forçar.
Juntei a bandeja e levei para a cozinha. Eu poderia deixar no quarto como ela disse, mas eu estava entediada. Coloquei a bandeja em cima do balcão de mármore preto e lavei o prato e o copo – mesmo tendo notado a enorme lava-louça. Enrolei o máximo que pude e então, subi para o quarto.
Queria protelar a hora de dormir, então, resolvi dar boa noite para minha avó. Andei em direção ao seu quarto – que ficava uma porta antes do meu. Antes que eu batesse e pedisse passagem, fui paralisada por um choro, o choro dela, da minha avó! A porta estava entre aberta. Espiei pela brecha, ela estava sentada numa poltrona de costas para a porta, ao seu lado havia um porta-retratos com a foto da minha mãe. Agora deu pra entender o motivo de choro, ela estava sofrendo como eu, e tentava ser forte para mim, como eu tentava para ela e só se permitia chorar as escuras. Era difícil vê-la sofrendo assim, afinal de contas, ela era minha avó e eu teria que aprender a amá-la.
Eu não precisava de mais sofrimentos agora. Já doía bastante o fato de nunca mais poder ver meus pais, não precisava ficar ali ouvindo seu momento de fraqueza.
Voltei de fininho para meu quarto e me joguei na cama. Não tinha mais nada para fazer a não ser dormir – depois do que ouvi não conseguiria me concentrar em um livro.
Desde o acidente eu tinha dormido a base de analgésicos para a dor. Eles me entorpeciam e eu dormia rapidamente sem sonhos, simplesmente apagava até de manhã. Hoje seria a primeira noite sem eles e sinceramente, não estava ansiosa para saber qual seria meu sonho – com certeza desagradável.
Uma hora teria que dormir! E essa hora tinha chegado!
Apaguei a luz e fechei os olhos. E sem pensar em algo, apenas sentindo a dor no meu peito, cai em um choro baixo que aos poucos tentava lavar minha alma dessa escuridão que agora me consumia.
Sem me dar conta, fui caindo no sono, não procurei pensar em nada – só ia facilitar os pesadelos – mas aparentemente... Não adiantou muito.

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